As duas afirmações que encabeçam esta devoção, aparentemente contraditórias, se completam. São o “retrato falado” de quem é cristão e vive de fato seu cristianismo todos os dias, em qualquer situação. Para muitos, a fé cristã parece coisa fácil, e não poucos a contam entre as virtudes do ser humano. Virtude é uma disposição firme e habitual para a prática do bem, atitude minha e para praticá-la, no sentido bíblico, preciso ter fé. A fé é algo que recebo, não vem de mim. “Pela graça de Deus que vocês são salvos por meio da fé. Isso não vem de vocês, mas é presente de Deus” (Ef 2.8).
A Lei (10 Mandamentos) me leva à descoberta do pecado. O Evangelho produz a fé, que justifica. Crendo no Evangelho sou justificado perante Deus e liberto. Não tenho uma existência em mim mesmo. “Eu fui morto na cruz com Cristo. Assim já não sou eu que vivo, mas Cristo é que vive em mim. Esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se deu por mim” (Gl 2.19b e 20).
A Bíblia compara esta união de Cristo com a minha alma (comigo) como um relacionamento entre noivo e noiva. O noivo é Cristo, a noiva é a igreja (você, eu) “e o anel de noivado é a fé” (M.D). Lutero explica: “A graça da fé é esta: a alma é unida com Cristo como a noiva com o noivo, pelo que Cristo e a alma são feitos uma só carne. (…) Cristo é cheio de graça, vida e salvação; a alma está cheia de pecados, morte e condenação. Entra a fé (o anel) e acontece que os pecados, a morte e o inferno se tornam de Cristo, e a graça, vida e salvação são da alma. Pois se ele é o noivo, tem que, simultaneamente, aceitar o que é da noiva e compartilhar com a noiva o que é seu”. Simplificando: Pela fé Cristo me dá a sua justiça e bem-aventurança, e eu lhe dou o meu pecado. Assim a minha alma se torna livre de todos os pecados, presenteada com a eterna justiça, vida e salvação. “O meu querido é meu e eu sou dele” (Ct 2.16). Esta união com Cristo que me liberta, sobre tudo e todos, ao mesmo tempo me escraviza – me torna servo de tudo e de todos. Sou liberto para servir.
A mãe dos filhos de Zebedeu pediu a Jesus que quando ele se tornasse rei, colocasse um filho à sua esquerda e outro à sua direita. (Mt 20.20). Jesus respondeu: “Quem quiser ser importante, que sirva os outros, e quem quiser ser o primeiro, que seja escrevo de vocês. Porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvar muita gente” (Mt 20.26-28).
Servir é viver toda uma vida dedicada em favor do próximo, como afirma Paulo: “Embora sendo livre, fiz-me escravo de todos” (1Co 9.19). E no Salmo lemos: “Essa pessoa (liberta para servir) é como uma árvore que cresceu na beira de um riacho; ela dá frutos no tempo certo, e as suas folhas não murcham. E tudo que essa pessoa faz dá certo” (Sl 1.3).
Livre para servir – quanta graça, quanto privilégio.
Guido Rubem Goerl – Pastor emérito da IELB..