O personagem bíblico Jó é também conhecido como “o sofredor”. Grandes catástrofes atingem seus bens e seus filhos. Os bens são roubados e destruídos; seus filhos mortos. Não obstante, Jó confirma a sua fé no Deus Eterno: “O Deus Eterno deu, o Deus Eterno tirou; louvado seja o seu nome” (Jó 1.21) Porém, quando seu corpo é coberto de chagas, “feridas horríveis, desde as solas dos pés até o alto da cabeça”, Jó desanima, quebra o silêncio e amaldiçoa o dia em que nasceu (Jó 3.1,2). O sofredor, a criatura questiona o Criador: “Por que não nasci morto?” (Jó 3.11) É castigo por causa dos meus pecados? É para evitar falta mais grave, quebrar o meu orgulho? Por que eu?
Ora, os questionamentos da criatura esbarram sempre no mistério de um Deus que aflige os justos. E Deus não responde aos questionamentos, pois não cabe a criatura julgar Deus. “Quem é você para pôr em dúvida a minha sabedoria?”, Deus responde a Jó.
Tem muito Jó por aí. Até mesmo nós que temos fé vez ou outra, questionamos os atos do Criador. O tema vem do Antigo Testamento e é repetido no Novo Testamento. Havia questionamentos na comunidade de Roma e Paulo lhes envia uma carta com a pergunta: “Mas quem é você, meu amigo, para discutir com Deus? Por acaso um pote de barro pergunta a quem o fez, porque você me fez assim? Pois o homem que fez o pote tem o direito de usar o barro como quer.” (Rm 9.20,21)
No decurso da vida, eu, vaso de barro, devo cuidar para não cair – o barro é frágil (1 Co 10.12). Vez e outra, sofro pequenas quedas; provoco rachaduras. Mas a graça divina, a sua mensagem que me leva ao arrependimento e me dá o perdão, restaura o vaso continuamente. Quando uma mulher pergunta a Pedro se ele também era um deles (Mt 26.69-75) ele nega a Jesus, três vezes, cai, quebra o vaso de barro. Mas o olhar penetrante de Jesus o leva ao arrependimento, ele chora e o vaso de barro é restaurado (Lc 22.61,62 e Lc 22.32).
O apóstolo Paulo escreve: “Nós que temos este tesouro especial (a Boa Nova) somos como potes de barro para mostrar que o poder supremo pertence a Deus, e não a nós. Muitas vezes estamos em dificuldades, mas não somos derrotados. Algumas vezes em dúvida, mas não desesperados. (…) As vezes somos feridos, mas não destruídos” (Rm 4.7-9)
Um dia, assinalado no Livro da Vida, vou cair em mil pedaços. Não vai sobrar nem um caco para “tirar água do poço” (Is 30.14) É o dia em que me despeço deste mundo. “Quando o vaso não lhe sai bem (primeiro nascimento), o oleiro joga-o novamente ao monte de barro, amassa-o e faz então um novo vaso (ressurreição) do seu agrado. Assim (diz Deus) são vocês na minha mão”. (Jr 18.4ss) Lutero escreve: “Em nosso primeiro nascimento não saímos bem. Por isso, Deus nos joga de volta à terra através da morte e nos recria no último dia.” É a ressurreição.
É preciso “quebrar” para voltar a ser um vaso perfeito – sem mácula nem culpa.
Deus, o Oleiro Eterno, seja louvado.
Guido Rubem Goerl – Pastor emérito da IELB