Você conhece aquela passagem bíblica na qual Moisés, depois do lamentável episódio do Bezerro de Ouro fabricado pelo seu irmão Arão, pede para ver o rosto de Deus? Deus lhe respondeu: Eu farei com que todo o meu brilho passe diante de você e direi qual é o meu nome sagrado. Eu sou o Senhor e terei compaixão de quem eu quiser e terei misericórdia de quem eu desejar… não vou deixar que você veja o meu rosto, pois ninguém pode ver o meu rosto e continuar vivo… você me verá pelas costas… (Ex 33.17-23).
Ao mostrar suas costas a Moisés Deus age com misericórdia para com o povo de Israel na caminhada em meio ao deserto. A visão das “costas de Deus” deu a Moisés ânimo para providenciar “novas placas de pedra” (nas quais Deus reescreveu a Lei) e coragem e desprendimento para conduzir o povo de Deus rumo à terra prometida.
Deus em sua misericórdia não quis mostrar somente suas costas. Isto fica evidente quando, mais tarde, ele instruiu Arão a proferir a bênção sacerdotal com a qual ainda hoje finalizamos nossos cultos: O Senhor faca resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti (Nm 6.25). Deus queria mostrar o seu rosto e o fez em seu Filho Jesus. Foi isso o que Paulo escreveu em sua carta aos coríntios: Deus que disse: “Que da escuridão brilhe a luz”, é o mesmo que fez a luz brilhar no nosso coração. E isso para nos trazer a luz do conhecimento da glória de Deus, que brilha no rosto de Jesus Cristo (2 Co 4.6).
Lutero costumava falar do Deus oculto e do Deus revelado. A respeito do Deus oculto ele afirmou que é “perigoso querer perscrutar e compreender a divindade nua pela razão humana”, pois esta não entende e os caminhos de Deus. Por isso interessa o Deus revelado no “Verbo encarnado, colocado num presépio e suspenso na madeira da cruz”.
O segredo da fé é confiar e esperar quando as coisas parecem “sob aspecto contrário”, isto é, quando a ajuda de Deus permanece invisível a ponto de nos acharmos abandonados por ele. Mas é justamente nesse o momento que a sua ajuda está mais próxima. O Deus que mostra o seu rosto na cruz de Cristo quando clamou “Deus meu, por que me abandonaste?” é Deus para mostrar, não só as suas costas, mas também o rosto quando enfrentamos nossas cruzes e não entendemos os seus caminhos.
Edgar Lemke