Esta frase “ostra feliz não faz pérola” não é minha. Tomei-a emprestada de Rubem Alves. Escritor, educador, psicólogo e teólogo, Rubem nasceu em Boa Esperança, MG, e terminou seus dias em Campinas, SP, aos 80 anos. Tomei a frase emprestada porque vi nela uma oportunidade para uma reflexão mais ampla, pois contém verdades incontestáveis.
A pérola na ostra é o resultado de uma reação natural contra intrusos, parasitos e invasores externos. Ao defender-se dos intrusos ela os ataca com uma substância segregada pelo manto, fina camada de tecido que protege suas vísceras. Essa substância, chamada nácar ou madrepérola, ela deposita sobre o invasor em camadas concêntricas, que se cristalizam rapidamente, isolando o perigo e formando uma bolota rígida – a pérola, o que leva em média três anos.
Ora, vejam quanta semelhança com a minha e a sua vida como filhos do Pai de Amor, que pela fé em Jesus nos adotou como seus filhos e nos protege de invasores e parasitos e o mais que nos pode acontecer. O sofrimento na ostra não é uma exigência para que faça uma pérola, mas é consequência. A nossa dor, o nosso sofrer, as nossas aflições não são uma exigência, mas sim, consequência do pecado. Essa consequência nosso Deus utiliza para o nosso bem, como madrepérola que cobre nossa dor e sofrer para fazer em nós pérolas. Lembra que “todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus”? (Rm 8.28) Tudo de “ruim” é canalizado para o nosso crescimento espiritual, para o nosso fortalecimento na fé e da nossa confiança nas palavras registradas pelo apóstolo Paulo em Romanos 8.18,19: “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem se comparados com a glória a ser revelada em nós.” A fé, a esperança, o amor, a perseverança, a glória que nos será revelada, a coroa da vida eterna, a certeza de um dia habitar com Deus por toda a eternidade, são pérolas da verdadeira felicidade. Somos frágeis, como as ondas do mar agitadas pelo vento (Tg 1.6), mas ao mesmo tempo fortalecidos pelas promessas, pois “O Senhor é a fortaleza da minha vida.” (Sl 27.1)
Ostra feliz, que não fez pérola, foi aquele homem rico mencionado no Evangelho de Lucas, que “se vestia de púrpura e de linho finíssimo e que todos os dias se regalava esplendidamente.” (Lc 16.19) Ostra feliz, que não fez pérola foi aquele homem que colheu em grande abundância e disse: “Farei isso: destruirei os meus celeiros, reconstruirei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então direi à minha alma: tens em deposito para muitos anos: descansa, como e regala-te.” (Lc 12.16ss) Ele não fez pérola, pois naquela mesma noite lhe pediram a alma (v.20)
Ostras felizes e ostras com pérolas. Dois grupos que bem representam a humanidade toda. Os felizes – segundo eles, dispensam a ajuda divina, rejeitam seus conselhos, julgam-se autossuficientes – pequenos deuses, vivem por viver, no “comamos e bebamos porque amanhã morreremos”. E quando isso acontece, clamarão desesperados, por uma gota de água para refrescar a língua. (Lc 16.24) Os que fazem pérolas são os que declaram total dependência de Deus, que cantam: “Eu só confio no Senhor”, que aceitam as madrepérolas divinas que anulam os parasitos, que aliviam os sofrimentos, oferecem esperança, e cantam com o salmista: “Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida: e habitarei na casa do Senhor para todo sempre.” (Sl 23.6)
(Guido Rubem Goerl. Pastor Emérito da IELB)